quarta-feira, 3 de agosto de 2011

PASSAPORTTE ORIGINAL

Infindáveis momentos. A dor parece cortar a alma. Tento não sucumbir. Preciso ser mais forte que ela. Escuto vozes que tentam dizer o que está acontecendo, mas a agonia do momento embaralha minhas idéias. A certa altura penso ter desmaiado. Perco a noção do tempo e acontecimentos. Um frio intenso invade as entranhas. Não consigo falar. Que falta faz o velho cobertor, o aconchego da cama.


Os pensamentos vagam como a driblar a dor que se alastra pelo corpo. Um tubo arranha a garganta e posso senti-lo entre as vértebras, rasgadas numa carnificina em nome da vida. Uma vida em bilhões. Quem se importa?


Hora de visita. A família deixa transparecer a gravidade do caminho que parece não ter volta. Tento dizer que os amo, pedir perdão. Quero um abraço. Não tenho mais tempo. E minha esposa? Porque não vem?


Que situação. A vida inteira dividido. Algum dia fui pleno? Sinto falta do seu apoio, nem que fosse para segurar minha mão e dizer adeus.


Um forte calor de repente, meus olhos perdem o foco, esforço-me para ver meus filhos. Tento mexer as mãos. Peço um toque. Suplico. Ajudem-me.


Estou próximo do outro lado. Mas eles tentam salvar-me.

Sinto levitar. Carrego a dor. Sons. Soro novamente. Por favor. Será em vão. Percebo luz forte e muitas vozes. O corpo queima de calor e frio. Estou cansado. Muito. Quero ficar em paz.


Todos estão felizes e eu muito jovem ao lado deles. Sorrisos sinceros e únicos que jamais esquecerei. Apareço agora como estou. Choram. Soluços, suspiros, tremores.

Não chorem. Estou bem. Amo vocês.


Não ouvem. Sinto dores. Todas que alguém pode sentir. Fortes.


Olho meu corpo.


Sento no chão.


E agora?


Para onde irei?

Um cheiro forte de perfume.


Estranho.

Todos comentam.


Olho curioso. O aroma atrai as pessoas. Levanto-me. Já tão absorto esqueço as dores e vou mais pra perto. Ao invés de sangue jorro perfume pelos poros. Acompanho tudo, também quero saber. Gosto de surpreender, mas dessa vez me superei.


A notícia logo se espalha. A família estupefata. Repórteres invadem o hospital. Os jornais não dão trégua. Firmes em busca da mais estranha notícia que poderiam dar no dia seguinte.


Novamente dilaceram meu corpo. Agora sem nenhuma piedade ou cuidado. Procuram pelo órgão que continua jorrando perfume. O ar está insuportavelmente cheiroso.

Um corte no peito. Na cavidade do coração um vidro de Kouros. Parecia não esvaziar.


Fotógrafos entram sem permissão e a notícia toma conta da cidade.


Começo a gargalhar e não consigo parar.


Milagre. Santo. As pessoas são mesmo tolas.

Sempre disse e agora não duvido: Quando Deus marca um é pra não perder de vista!


Que merda arretada. Quem deixou aquela porra ali?


TACIANA VALENÇA


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